Já
não me lembro, exatamente, quantos anos tinha, quando a professora
anunciou que o tema da redação era sobre o dia dos pais. Meus colegas de
primário do Barão de Macaúbas debruçaram sobre a folha e eu fiquei sem
saber o que fazer. O meu pai morrera há pouco tempo e, com exceção do
grupo escolar e da minha casa ali perto, tudo ainda era pra mim um
imenso mistério. Sequer compreendia que os pais morriam e deixavam meninos sem saber como se defender.
“Escreva sobre as lembranças que você têm do seu pai”, tentou ajudar a
professora. Não tinha tantas lembranças assim, a não ser a bicicleta de
quadro duplo, a linha do trem por onde eu, a pé, levava a marmita dele,
acompanhando um dos irmãos, um dia de chuva e aquele seu paletó que me
vestia como se fosse uma batina. Isso dava uma redação? Deu uma poesia
sentida e assimétrica. A primeira. Descobri, então, naquela manhã
longínqua que eu tinha “um jeito de ver” a vida e seus desvãos.
A partir daí não parei mais de escrever. Cumpro a sina dos que varam a
vida imitando Deus, inventando de novo o Mundo, a partir da palavra
encantada.
(FernandoLeiteFernandes- Fotografia do meu pai Anleifer)